quarta-feira, 23 de março de 2016

Necessidade de partir…
Aquela vontade incontrolável de saber o que vem a seguir estagna, e voltas-te a sentir no presente, como se nunca o tivesses deixado mas basicamente como se nunca tivesses partido.
Volto àqueles dias em que o Homem une a gratidão à vida, os dias que redimem a vida, que trazem o tempo ao Tempo, que ostentam o luxo que os espaços criam na minha mente.
Cresce em mim aquela felicidade que voa como as cinzas com o vento.
Falta-me o ar aqui nestas arcadas que o Presente desaba sobre os meus passos. Tinha as asas feridas e o sorriso amargurado sob uma abóbada celeste em que a luz se esgotou e onde tem chovido calma e acutilantemente…
Voltarei a Casa e isso deixa-me feliz, deixa-me mais perto do que amo, do que sou, do que quero ser, dos pássaros que rompem as manhãs e voam em fogos azuis junto do calor dos dias.
E sinto aquele frio de quem não reconhece o próprio reflexo em espelhos de água. A chuva lava-me o rosto e o resto do que fui, sinto na pele a nudez simplista da vida e o frio das manhãs  em que a morte inquieta as árvores da Outono.
Porquê hoje? Também não sei, mas sinto que depois de tanto tempo longe de Casa, os muros mantêm-se e os caminhos continuam a cruzar como que nos unem aos outros. O meu sangue percorre hoje os canais do meu ser e liberta-se da circunscrição que a carne faz e que me prende ao mundo. Hoje sinto-me naqueles "lugares de silêncio" que cresceram em mim, e que o tumulto e a perturbação os inquietou...
Hoje é daqueles dias que me define como Homem, como Ser… É o momento da decisão, o momento em que nos  dispomos, assumimos, comprometemos a percorrer o Caminho…
Olho para o céu e hoje as luzes brilham mais…
Muxía... A meta desconhecida, com a certeza do conhecimento da Meta.

terça-feira, 17 de março de 2015


São precisos Homens como este para voltar ao meu blogue...
Sempre me disseram, em tudo que fazes põe o teu máximo. E este professor ultrapassou o máximo dele, reuniu uma escola inteira, num flash mob capaz de cativar quem o faz e o vê. Incrível...
Podia falar do rapaz com deficiência que dá o seu melhor a dançar ou o facto de terem escolhido uma rapariga completamente desproporcional no peso e na estética para abrir o vídeo. Mas hoje não me apetece...
Quero só olhar para a cara de felicidade dos rapazes e raparigas daquela escola que por num dia foram Salvos por um Professor.
Faz-me lembrar aqueles professores que fizeram dos meus corredores, caminhos do Caminho Maior...


Don't believe me, just watch!

sábado, 7 de fevereiro de 2015


Vi ontem um filme chamada "Hector and the search of happiness".
Provavelmente Peter Chelsom mostra aqui a definição de felicidade que mais se adequa à minha.
Na história do filme, Hector é um psiquiatra que decide viajar pelo mundo e perceber o que é a felicidade para as pessoas, o que faz as pessoas felizes, o que faz as pessoas serem pessoas felizes...
Hector vai encontrando todo o tipo de pessoas, todo tipo de formas e  feitios de lidar com [in]felicidade. Encontra um milionário na China, famílias que viviam da terra em África, uma doente cancerígena em estado terminal...
E a verdade é que é difícil definir felicidade atualmente e ainda muito mais dificil é ser feliz!
Hector encontra um professor que está a estudar o comportamento e atividade do cérebro em relação à felicidade, infelicidade e medo. E perante um momento de plena felicidade Hector atinge os três estados ao mesmo tempo... INCRÍVEL!!!
No mapeamento da atividade cerebral surgem cores por toda a parte como sinal de que tudo está ativo.
E quando a assistente lhe pergunta que cores via?
"It's all of them!" diz ele no filme...
É exatamente isso que sinto no Obradoiro, a felicidade de ter a vida perante os meus olhos, a infelicidade de já não poder caminhar com alguns Companheiros, o medo de perder para a morte aquilo que ganhei na Vida. Por isso não contenho as lágrimas porque "It's all of them!" , porque quando me apercebo estou no centro do mundo e tudo o que sou existe num espaço e tempo que apenas é concebível, percetível aos olhos de Deus.
Nada descreve o sentimento de me agarrar ao meu pai, à minha mãe, à minha irmã naqueles fugazes segundos que se fazem eternidade. Nada explica que numa casa aonde cabem 40 caibam 120 e estejam em profunda comunhão de silêncio, paz, de Caminho... Nada explica os Caminhos que se cruzam, o canto nos lábios e a estrela na fronte, nada explica o sabor das amoras e alegria do Mundo...
Na última semana parti um dedo do pé: não vou poder caminhar... E toda a gente que me conhece sabe o que isso me custa, o que me custa ver os companheiros a partir, a saudade que tudo isso me deixa. Mas vou ao Caminho! Irei sempre, aliás acho que nunca saí dele. Sou do Caminho! Porque o Caminho não começa quando o começamos a percorrer mas sim quando nos  decidimos a percorrê-lo.
"It's all of them!"

É isso mesmo que vou sentir na semana onde não caminhando, vou ao Caminho...

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015


Há dias assim...
Tudo cheio... E ainda assim encho os pulmões com o pouco ar que Deus me tem guardado em caixas de música e respiro a luz da manhã. A brisa que traz o sol leva-me as lágrimas e lava-me os sonhos. Persigo as folhas com o vento, dou voltas sobre mim mesmo, círculos concêntricos sobre a vida e não lhe posso tocar... Esqueci-me da morte e dos seus parentes, mas até esses me guardam e aguardam pelo dia em que os pássaros voem para o Norte.
Sou pescador de sonhos e disso pouca gente sabe, só me viram a mim e às ondas afogadas em pedaços de mar e tormento que vêm dos meus traços. Um atum pode nadar até 64 km num só dia e eu continuo parado e preso a este Mundo, prisão que crio nos meus dias sob os meus passos.
Odeio ser peça de xadrez, mas na verdade é o que sou... Peão das linhas e guias que o destino traça em volta das coincidências do universo, pedaços de papel rasgado que nunca que se hão de juntar...
Gostava de ficar a ouvir os pássaros nas noites quentes de Verão, o chorar do recém-nascido que se ofusca com a luz crua que a Vida radia... Gostava de conhecer todas as cores, de continuar sempre a escrever, abstrair-me, fundir-me com a tinta preta e o papel e de conhecer o infinito e o que ele esconde.
Perder está tão intimamente ligado ao ser humano, que tenho medo de estar a ser cético e olhar o Mundo admitindo-o como verdadeiro com simples olhos mortais que acabam no pó da terra.
Provavelmente, o que estive aqui a escrever nem faz sentido, são números e traços que me inquietam como se rebentassem as sementes das árvores do meu jardim do Éden.
E na verdade são só dias assim...

sábado, 22 de novembro de 2014

Tive intenções há uma semana de terminar o "Trapézio sem Rede"...
Sentia um vazio imenso no que escrevia. Não no seu conteúdo, porque tudo o que sou e penso deposito nas minhas palavras. Era vazio o lugar onde as palavras se encontravam, era amorfo os olhares sobre elas, eram invisíveis os traços que iam desenhando. Eram ondas de uma praia deserta...
Mas [felizmente] um amigo Enorme que eu tenho o privilégio de chamar de Pai, abriu-me os olhos e as perspetivas, acordou-me depois dos meus olhos se tentarem fechar.
Claro que não é vazio o espaço onde habitam os prolongamentos do meu ser. Tenho sempre alguém a guardar as minhas raízes e ambições. Não estou isolado...
Enquanto desistia de me equilibrar no Trapézio alguém foi sempre Rede no vazio que me esvazia o ser.
E mesmo que assim fosse, não tinha motivos para desistir...
No dia 7 de Dezembro de 2012, dia em que comecei o Trapézio sem Rede (já faz quase 2 anos), dizia:

"Nada nos segura, nada nos sustém, nada nos protege, apenas sabemos que caminhamos Hoje e Agora neste trapézio sem rede."


E é exatamente isso que me faz voltar a escrever, nada é certo, nada nos é dado, nada sabemos, a única coisa que realmente conhecemos é o nosso Hoje neste trapézio sem rede.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014















Esta semana no treino de Karaté-Do Shotokai fizemos uma parte do treino com uma técnica habitual  kiba-dachi (騎馬立ち). Esta é uma técnica que aumenta o equilíbrio interior, força física e mental... O mestre Domingos disse-nos para depositar tudo o que tínhamos, tudo o que éramos naqueles minutos, naquela técnica. Tínhamos de atacar com o clássico soco, tsuki. Um tsuki, 10 tsukis, 30 tsukis, 50 tsukis, 100 tsukis seguidos... Não existia mais nada no mundo: só eu, o dojo, o meu kiba-dachi e os meus tsukis. As pernas fraquejavam e cediam mas a mente mantinha-se una e de pé. E lutava...
Em cada série que fazíamos soltávamos um Kiai que é um grito que vem de dentro, o grito mais profundo que temos, a última força, o único pedaço em nós que nunca morre...
O Mestre obriga-nos a não desistir, a manter a concentração, a pensar em chegar longe em cada ataque...
E quando o cansaço se apodera do ser, quando os braços tremem e as pernas não suportam o corpo é a cabeça que comanda... Quando nos tornamos fisicamente irredutíveis, tornamo-nos mentalmente capazes de derrubar o mundo. E enquanto estava ali no treino, no centro do mundo, onde a sombra do cansaço se deitava ao meu lado e me ia arrastando para o íntimo da morte,  lutava comigo mesmo... E claro vieram-me à cabeça aqueles companheiros do Caminho Maior que no desespero da fragilidade da carne encontraram a fortaleza que a mente edifica em torno da Vida. Naquele momento, associava a minha debilidade a um cancro que se vai instalando, que se vai agarrando a toda à minha orgânica, às paredes do meu ser, que trava o meu passo no Caminho. Mas continuo a caminhar, continuo de pé, continuo a esticar o braço no tsuki, a romper a morte e o que ela encerra... Tia Teté, Neusa, André, Cármen,  Mónica, Tia Fatinha, Avô Armando, Rui... Como se mantiveram sempre em cima a lutar... Como a dor nunca vos deixou desistir, como os olhos sempre se mantiveram abertos, como o vosso ser sempre abraçou a vida. Há forças que o Homem desconhece, a força que uma mãe faz no nascimento de um filho, a força que temos na iminência da perda da Vida, a força no momento em que precisamos de salvar alguém...
As dores do kiba-dachi nunca vos ajoelharam perante a Morte nem mesmo (alguns) depois da morte, e o kiai foi sempre cada vez mais forte...

«O Dojo é o campo de batalha da vida, um "campo de vida e de morte". A única diferença que existe entre ele e o campo de batalha de uma guerra é que no Dojo quem está sendo treinado pode morrer muitas vezes seguidas e ficar vivo para contabilizar essas mortes como experiências que favorecem o seu desenvolvimento nos caminhos e, eventualmente, capacitam-no a transcender a vida e a morte.»
Jackson Morisawa (Mestre Zen)



quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Fui ontem jantar com o meu avô, mais uma daquelas francesinhas que apenas são o  pretexto do gosto tripeiro para o encontro das gerações e dos tempos.
É uma bênção partilhar a mesa com ele. O meu avô é daqueles poucos homens que o Tempo esqueceu e em que a Vida o teve sempre presente. Dizia-me ele ontem que me via agora na faculdade e que se revia em mim, por entre a calçada do coração da Cidade, pelas ruas que vão escondendo as sombras da Invicta, pelos trajes e capas negras que guardam a noite, pelas luzes sobre o rio que espelham pontes sem horizontes. Tem quase mais 60 anos que eu, e sinto aquela cumplicidade de amigo, de companheiro do Caminho. Falávamos que há coisas estranhamente intrigantes. Tudo na vida dele, podia ter seguido facilmente outro rumo, outro Rumo! Rumo esse que podia fazer com que aquele jantar ontem comigo não acontecesse.
A linha que separa a vida e a morte é demasiado ténue para o entendimento humano e a escolha resulta sempre em consequência. Somos mais feitos de dúvida e decisão, do que de entendimento e conhecimento.
E é exatamente isso: um dia a mais ou menos em Angola, um centímetro mais à esquerda ou à direita, uma pedra mais presa ou solta no Caminho, e a vida como a conheço ou ele a conhece não era sentado um frente ao outro na mesma Mesa.
Acho isso incrível...
Incrível porque nós, a infinitésima parte de Deus, vemos a vida e a morte, os caminhos a serem cruzados e separados e somos completamente impotentes. Somos apenas um pedaço do azul do céu...
Percebemos muito pouco do que somos e de onde viemos... Resta-nos tentar saber para onde vamos...

E no entanto é apenas e só uma francesinha...