Esta semana no treino de Karaté-Do Shotokai fizemos
uma parte do treino com uma técnica habitual kiba-dachi (騎馬立ち).
Esta é uma técnica que aumenta o equilíbrio interior, força física e mental...
O mestre Domingos disse-nos para depositar tudo o que tínhamos, tudo o que
éramos naqueles minutos, naquela técnica. Tínhamos de atacar com o clássico
soco, tsuki. Um tsuki, 10 tsukis, 30 tsukis, 50 tsukis, 100 tsukis seguidos... Não
existia mais nada no mundo: só eu, o dojo, o meu kiba-dachi e os meus tsukis.
As pernas fraquejavam e cediam mas a mente mantinha-se una e de pé. E lutava...
Em cada série que fazíamos soltávamos um Kiai que é
um grito que vem de dentro, o grito mais profundo que temos, a última força, o
único pedaço em nós que nunca morre...
O Mestre obriga-nos a não desistir, a manter a
concentração, a pensar em chegar longe em cada ataque...
E quando o cansaço se apodera do ser, quando os
braços tremem e as pernas não suportam o corpo é a cabeça que comanda... Quando
nos tornamos fisicamente irredutíveis, tornamo-nos mentalmente capazes de
derrubar o mundo. E enquanto estava ali no treino, no centro do mundo, onde a
sombra do cansaço se deitava ao meu lado e me ia arrastando para o íntimo da
morte, lutava comigo mesmo... E claro
vieram-me à cabeça aqueles companheiros do Caminho Maior que no desespero da fragilidade
da carne encontraram a fortaleza que a mente edifica em torno da Vida. Naquele
momento, associava a minha debilidade a um cancro que se vai instalando, que se
vai agarrando a toda à minha orgânica, às paredes do meu ser, que trava o meu
passo no Caminho. Mas continuo a caminhar, continuo de pé, continuo a esticar o
braço no tsuki, a romper a morte e o que ela encerra... Tia Teté, Neusa, André,
Cármen, Mónica, Tia Fatinha, Avô
Armando, Rui... Como se mantiveram sempre em cima a lutar... Como a dor nunca
vos deixou desistir, como os olhos sempre se mantiveram abertos, como o vosso ser
sempre abraçou a vida. Há forças que o Homem desconhece, a força que uma mãe
faz no nascimento de um filho, a força que temos na iminência da perda da Vida,
a força no momento em que precisamos de salvar alguém...
As dores do kiba-dachi nunca vos ajoelharam perante
a Morte nem mesmo (alguns) depois da morte, e o kiai foi sempre cada vez mais
forte...
«O Dojo é o campo de batalha da vida, um "campo
de vida e de morte". A única diferença que existe entre ele e o campo de
batalha de uma guerra é que no Dojo quem está sendo treinado pode morrer muitas
vezes seguidas e ficar vivo para contabilizar essas mortes como experiências
que favorecem o seu desenvolvimento nos caminhos e, eventualmente, capacitam-no
a transcender a vida e a morte.»
Jackson Morisawa (Mestre Zen)
Que bom ler o teu blog.
ResponderEliminarÉ sempre para mim uma grande emoção.
Faz-me lembrar etapas da minha vida, que o tempo vai apagando e por vezes
leva ao esquecimento.
Um abraço do Avô - Neto