sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Vinha hoje no autocarro e um senhor perguntou-me  se o podia ajudar a responder a umas perguntas. No princípio pensei que era mais um daqueles míseros inquéritos sobre a qualidade dos detalhes sociais que fazem da nossa vida, números e estatística, até porque o seu sotaque era tudo menos de um português.
Não! Ele estava-me a perguntar sobre dúvidas sobre a língua portuguesa... Era um homem, cujo país não percebi, ou melhor o seu português não deixou perceber. Mas percebi que falava holandês, e que nos seus olhos brilhava a luta na vida e a persistência espelhada nos vidros daquele autocarro. Foi-me perguntando uns exercícios, da escola onde aprendia português, em que tinha dúvida. Perguntou-me as horas que um relógio desenhado naquelas folhas mostrava, como se podia dizer que o sol estava a brilhar muito, algumas frases de carácter social e descritivo...
No final das suas dúvidas ele disse-me: "O português é uma língua difícil!". E eu esperava que ele me dissesse que era difícil ao nível da sintaxe ou da gramática, porque a verdade é que o é, mas ele diz-me assim: "É uma língua triste mas a única que tem a palavra saudade, que tanto representa aquilo que eu sinto pela minha família, pelo meu país..."
O silêncio encheu-me a boca e as lágrimas fizeram brilhar as luzes que as ruas transportavam...
Saudade, que palavra tão forte, tão carregada de história, de sentimento, palavra portuguesa da fome e da guerra, dos dias e noites do Estado Novo, do Ultramar e das suas distâncias, das cartas perdidas em balas e choros, da independência, da emigração que deixou as mães de colo vazio, da morte do próximo e do anónimo, da graça e da desgraça, do fogo e da escuridão, do mar e dos que ele levou, do vento e dos que tomaram as suas formas, dos Companheiros que Caminham sós, das lágrimas que fizeram o mar salgado português.
Ele mal sabia falar português, mas naquilo que me disse fez-me Caminhar um bocadinho mais...
Quando tive de sair do autocarro, esboçou um sorriso,  desejou-me boa sorte na vida, dei-lhe um abraço,  agradeci-lhe e desejei-lhe boa sorte com o português.
Quando saí , acenou-me e apertou o coração, onde sei que guarda a vida e a saudade.

Não lhe sei o nome, sei que é um Homem de Deus...

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