Vinha hoje no autocarro e um
senhor perguntou-me se o podia ajudar a
responder a umas perguntas. No princípio pensei que era mais um daqueles
míseros inquéritos sobre a qualidade dos detalhes sociais que fazem da nossa
vida, números e estatística, até porque o seu sotaque era tudo menos de um
português.
Não! Ele estava-me a perguntar
sobre dúvidas sobre a língua portuguesa... Era um homem, cujo país não percebi,
ou melhor o seu português não deixou perceber. Mas percebi que falava holandês,
e que nos seus olhos brilhava a luta na vida e a persistência espelhada nos
vidros daquele autocarro. Foi-me perguntando uns exercícios, da escola onde
aprendia português, em que tinha dúvida. Perguntou-me as horas que um relógio
desenhado naquelas folhas mostrava, como se podia dizer que o sol estava a
brilhar muito, algumas frases de carácter social e descritivo...
No final das suas dúvidas ele
disse-me: "O português é uma língua difícil!". E eu esperava que ele
me dissesse que era difícil ao nível da sintaxe ou da gramática, porque a
verdade é que o é, mas ele diz-me assim: "É uma língua triste mas a única
que tem a palavra saudade, que tanto representa aquilo que eu sinto pela minha
família, pelo meu país..."
O silêncio encheu-me a boca e
as lágrimas fizeram brilhar as luzes que as ruas transportavam...
Saudade, que palavra tão forte, tão carregada de história, de
sentimento, palavra portuguesa da fome e da guerra, dos dias e noites do Estado
Novo, do Ultramar e das suas distâncias, das cartas perdidas em balas e choros,
da independência, da emigração que deixou as mães de colo vazio, da morte do
próximo e do anónimo, da graça e da desgraça, do fogo e da escuridão, do mar e
dos que ele levou, do vento e dos que tomaram as suas formas, dos Companheiros
que Caminham sós, das lágrimas que fizeram o mar salgado português.
Ele mal sabia falar português,
mas naquilo que me disse fez-me Caminhar um bocadinho mais...
Quando tive de sair do
autocarro, esboçou um sorriso, desejou-me boa sorte na vida, dei-lhe um
abraço, agradeci-lhe e desejei-lhe boa
sorte com o português.
Quando saí , acenou-me e
apertou o coração, onde sei que guarda a vida e a saudade.
Não lhe sei o nome, sei que é
um Homem de Deus...
Também a mim me encheu o silêncio, Inês
ResponderEliminar