Há grandes momentos de pouca lucidez na pequena mentalidade humana.
Enquanto estive na Hungria visitei a Casa do Terror, que representa um museu da 2ª Guerra Mundial e da invasão da União Soviética. Mas um assunto destes não cabe num museu, nem sequer devia caber no mundo e não cabe em mim.
A história que emudece a História, os humanos que fizeram a desumanidade, os gritos que levaram ao choro, o tempo que gelou o Tempo, a noite que deu sombras aos dias, as mãos que separaram um povo, as vidas que tiraram a Vida, provavelmente, estão ali todas retratadas a nu. É complicado esquecer aquilo que os humanos quiseram marcar, mas é ainda mais difícil conhecer a desumanidade inconcebível.
Incontornavelmente, o tanque de guerra da entrada impõe-se aos nossos olhos como os metais frios cravados nos homens e mulheres que tentavam sorrir em dias de chuva. E as fardas dos nazis e dos soviéticos, que apenas se distinguem em símbolo, asfixiam-nos e as lágrimas caem-me como o sangue derramado em tão estimados e atrozes fardos.
E quando sentimos que chegamos ao limite da barbaridade humana, que ultrapassamos a fronteira daquilo que era esperado que um humano fosse, quando sentimos os ossos todos e a boca silenciada, quando que mesmo por instantes sentimos a dor de quem perdeu o que nunca chegou a ganhar, descemos...
Descemos à terra dos mortos...
Descemos num elevador, para celas onde eram mantidos os inocentes que carregavam consigo o triste aroma da cruel morte que imediatamente nos corrói por dentro.
Estou longe de perceber o que é uma solitária, mas quando lá entrei e me trancaram a porta, senti que naquele momento o pouco do que sou se encerrou naquelas quatro paredes em que não cabiam os meus pulmões e onde os meus sonhos não tinham espaço para voar. Nem sequer tinha sítio para me encostar ou lugar para me sentar na terra em que vou morrer. E enquanto lá dentro os meus braços se mexiam claustrofobicamente, lá fora um guia húngaro ia vociferando tal como os seus irmãos de sangue que fizeram daquelas grades a única janela do Mundo. Mas foi ali... Foi ali que aos poucos, o fogo-fátuo consumiu os muitos heróis que a Terra viu, foi ali que o ventre das mães conheceu os filhos que não teve, foi ali que o espaço culminou com o tempo da terra dos velhos, foi ali que o desespero berrou em silêncio enquanto ouvia jazer aqueles que incondicionalmente amava como a si mesmo. E as fotos em cada cela, de quem morria ali aos pedaços por dentro e por fora, cruzavam os meus olhos com aqueles a quem lhes deram a morte por gente que nunca percebeu a Vida.
Assusta-me como os olhos e a mente humana são seletivos...
Se aconteceu uma vez, pode voltar acontecer e isso despedaça-me a alma e dizima-me o coração.
Estamos longe de perceber a grande massa cinzenta insensata que ofusca a humanidade, mas estamos bem perto de impedir que cada dia não seja o último para milhões de Homens.
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